Recebi,
um dia desses, um feedback muito interessante a respeito da imagem que usei
para ilustrar um dos meus post nesse blog
(“O que você vê?” do dia 1 de abril). Um grande amigo me disse que tinha
gostado do texto, mas a imagem o tinha incomodado, embora ele não soubesse
exatamente por que. Fiquei bem
satisfeita com a reação dele, pois era uma foto onde a intenção era gerar
inquietação. Mas porque essa imagem o perturbou?
Pra
descobrir o motivo vou analisar os principais elementos da fotografia, mas
antes é importante salientar que a maneira como qualquer pessoa vê uma imagem e
o que ela sente e pensa sobre ela é diretamente ligado às suas experiências
pessoais, seus conhecimentos específicos, enfim ao seu repertório. Vocês vão
notar que essa é uma palavra muito presente nesse blog, porque representa o
conjunto das coisas que cada um de nós viu, sentiu, pensou e aprendeu pela
vida. Esse repertório pessoal e
absolutamente único, é o filtro através do qual produzimos e apreciamos arte.
Bom,
analisando a fotografia vemos de cara a Kombi destruída e grafitada. Aí já
começa a interpretação pessoal, uma pessoa que tenha sua história ligada às
artes criativas* verá nesse veículo uma expressão artística e isso será muito
importante pra ela, talvez a ponto dos outros elementos serem desconsiderados
na sua análise final, outra pessoa que
não tenha a criação artística em seu repertório poderá ver esse objeto como
agressivo porque, para ela, é algo deteriorado e que foi “estragado com uma pichação”.
Ambos estão certos.
Um elemento que a primeira vista
passa despercebido, mas que faz parte do inconsciente coletivo como
representando algo ruim, é o saco de lixo azul preso na roda da Kombi. Lixo é
algo que nos atinge em um de nossos instintos básicos, a sobrevivência. Somos
biologicamente programados pra nos afastar de coisas que possam atentar contra
nossa saúde e consequentemente nossa vida. A repetição de pichação nos pilares
da grade ao fundo reforça a repulsa.
As duas placas de proibido também
“gritam” ao nosso inconsciente. Para a nossa cultura proibido é sinônimo de errado
e transgressão é sinônimo de marginalidade. Por isso essa foto representa, de
maneira geral, algo que a sociedade não quer. As pessoas integradas à sociedade tem a tendência de não gostar da foto por esta representar uma agressão às normas vigentes, já pessoas que contestem as normais sociais podem se sentir atraídas pela imagem pelo mesmo motivo.
Agora um pouco da história dessa
imagem em particular. Inicialmente essa Kombi foi incendiada na alça da ponte Cidade Jardim (marginal Pinheiros) e,
alguns dias depois, apareceu toda grafitada. Considerando o local onde
aconteceu, foi algo fora do normal (essa grade ao fundo é o Jockey Club de São
Paulo) e isso me motivou a ir até lá e fazer alguma fotos. No local percebi que
essa seleção de elementos alterava a percepção do espaço real, afinal eu estava
em uma área nobre da cidade. Os objetos que compõe a foto tem referência de uma
contra cultura que raramente ocorre em regiões mais abastadas e a possibilidade
de criar essa realidade alternativa, naquele momento me cativou. Meses
depois, em um grupo de estudos de fotografia que participava, surgiu o tema “proibido”
e uma das maneiras que eu achei pra estudar esse tema foi me debruçar sobre meu
enorme acervo e tentar entender como eu o representava inconscientemente.
Essa foi uma das fotos onde achei
minha visão pessoal do que é o proibido no nosso cotidiano. Esse estudo gerou
uma série sobre suicídio como trabalho final, mas essa já é outra história. :)
*Distingo artes criativas de artes interpretativas. As primeiras são aquelas onde o artista cria a
obra (desenho, pintura, escultura, algumas fotografia, etc.), as segundas são
as que o artista interpreta algo que já existe (teatro, música, algumas
fotografias, etc.)
EXPLICAÇÃO MUITO BOA!
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