quinta-feira, 11 de abril de 2013

Analisando




                Recebi, um dia desses, um feedback muito interessante a respeito da imagem que usei para ilustrar um dos meus post nesse blog  (“O que você vê?” do dia 1 de abril). Um grande amigo me disse que tinha gostado do texto, mas a imagem o tinha incomodado, embora ele não soubesse exatamente por que.  Fiquei bem satisfeita com a reação dele, pois era uma foto onde a intenção era gerar inquietação. Mas porque essa imagem o perturbou?



                Pra descobrir o motivo vou analisar os principais elementos da fotografia, mas antes é importante salientar que a maneira como qualquer pessoa vê uma imagem e o que ela sente e pensa sobre ela é diretamente ligado às suas experiências pessoais, seus conhecimentos específicos, enfim ao seu repertório. Vocês vão notar que essa é uma palavra muito presente nesse blog, porque representa o conjunto das coisas que cada um de nós viu, sentiu, pensou e aprendeu pela vida.  Esse repertório pessoal e absolutamente único, é o filtro através do qual produzimos e apreciamos arte.
                Bom, analisando a fotografia vemos de cara a Kombi destruída e grafitada. Aí já começa a interpretação pessoal, uma pessoa que tenha sua história ligada às artes criativas* verá nesse veículo uma expressão artística e isso será muito importante pra ela, talvez a ponto dos outros elementos serem desconsiderados na sua análise final,  outra pessoa que não tenha a criação artística em seu repertório poderá ver esse objeto como agressivo porque, para ela, é algo deteriorado e que foi “estragado com uma pichação”. Ambos estão certos.
Um elemento que a primeira vista passa despercebido, mas que faz parte do inconsciente coletivo como representando algo ruim, é o saco de lixo azul preso na roda da Kombi. Lixo é algo que nos atinge em um de nossos instintos básicos, a sobrevivência. Somos biologicamente programados pra nos afastar de coisas que possam atentar contra nossa saúde e consequentemente nossa vida. A repetição de pichação nos pilares da grade ao fundo reforça a repulsa.
As duas placas de proibido também “gritam” ao nosso inconsciente. Para a nossa cultura proibido é sinônimo de errado e transgressão é sinônimo de marginalidade. Por isso essa foto representa, de maneira geral, algo que a sociedade não quer. As pessoas integradas à sociedade tem a tendência de não gostar da foto por esta representar uma agressão às normas vigentes, já pessoas que contestem as normais sociais podem se sentir atraídas pela imagem pelo mesmo motivo.
Agora um pouco da história dessa imagem em particular. Inicialmente essa Kombi foi incendiada na alça da ponte Cidade Jardim (marginal Pinheiros) e, alguns dias depois, apareceu toda grafitada. Considerando o local onde aconteceu, foi algo fora do normal (essa grade ao fundo é o Jockey Club de São Paulo) e isso me motivou a ir até lá e fazer alguma fotos. No local percebi que essa seleção de elementos alterava a percepção do espaço real, afinal eu estava em uma área nobre da cidade. Os objetos que compõe a foto tem referência de uma contra cultura que raramente ocorre em regiões mais abastadas e a possibilidade de criar essa realidade alternativa, naquele momento me cativou. Meses depois, em um grupo de estudos de fotografia que participava, surgiu o tema “proibido” e uma das maneiras que eu achei pra estudar esse tema foi me debruçar sobre meu enorme acervo e tentar entender como eu o representava inconscientemente.
Essa foi uma das fotos onde achei minha visão pessoal do que é o proibido no nosso cotidiano. Esse estudo gerou uma série sobre suicídio como trabalho final, mas essa já é outra história. :)



*Distingo artes criativas de artes interpretativas.  As primeiras são aquelas onde o artista cria a obra (desenho, pintura, escultura, algumas fotografia, etc.), as segundas são as que o artista interpreta algo que já existe (teatro, música, algumas fotografias, etc.)

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